Ai você sai do cinema, depois
de ler os últimos créditos com informações sobre a trilha sonora do filme,
referências a todas as citações feitas (me lembro de ter visto Tarkovsky nesses
créditos), o curioso aviso de que os atores do filme não foram submetidos a nenhum ato de penetração sexual e tudo o mais, e a vontade que dá é de gritar: LARS VON TRIER, SEU GÊNIO, EU TE
AMOOOOOOOOOOOO!!!!
Não vou antecipar nada sobre o roteiro do filme, mas digo que no início do segundo volume de Nymphomaniac você chega a se irritar
com Lars, por um nanocentésimo de
segundo, por conta do que parece que vai tomar um rumo um tanto quanto
caricato.
Só que não! Claro que não!
Óbvio que quando se trata do genial, fabuloso, magnífico e cruelmente
inteligente Lars Von Trier, não
existirão obviedades!
Ou seja, a única obviedade é
que nada óbvio acontecerá jamais num filme de Lars.
Enquanto isso, ele insiste na
questão do desejo. Mas, e fica muito claro pra mim agora, única e tão somente
na questão do desejo feminino.
Desvenda-se, nesta segunda parte
do filme, que a questão central do que se iniciou com Nymphomaniac Volume I é exatamente a clássica pergunta de Freud: “afinal, o
que quer uma mulher?”
E, no visceral desfecho do
filme, Lars responde, a la Lacan: “ela quer gozar!”
E ai, novamente, como faz em
todos os seus filmes, o homem é apresentado como fraco, ainda que, neste, não
haja um personagem masculino específico escolhido para encarnar o papel do “covarde”, em Nymphomaniac Volume II, Lars Von Trier termina por arrasar com o gênero todo, de
uma só vez, com uma só roçada de foice.
Então, em seu relato
psicanalítico para Seligman (Stellan
Skarsgård), quando Joe (Charlotte
Gainsbourg) está no limite da exaustão gerada por sua inadequada sexualidade, cheia de culpas
pelo desejo, ouvimos Seligman
ponderar, relembrando momentos anteriores do filme, desde o Volume I, que ninguém estranharia se fossem dois homens procurando por uma mulher num
trem e que a sociedade não condena o homem que abandona os filhos por causa de seu desejo, assim como não o condena por praticar sexo com duas ou mais mulheres, e
segue nos fazendo questionar se nos soariam tão repulsivas as experiência vividas e relatadas por Joe, caso tivessem
sido praticadas por um homem e não por uma mulher.
Quero ver mulher que não se
emocione neste ponto do filme.
Eu chorei. E choro agora, de
novo, relembrando aquele rico diálogo, que costura o filme todo e nos faz
refletir sobre o quanto ainda estamos sujeitas ao domínio do masculino, único
gênero a quem é socialmente permitido desejar sem limites, permissão esta que,
por exclusiva, muitas vezes, nos preenche de agressividade (masculina) e nos
coloca em postura de agir como homens, para nos fazer ouvir e tentar sobreviver
numa confusa tentativa de liberdade de ser...

É com extrema segurança e
certeza de quem sabe do que está falando, que Lars Von Trier conduz esses diálogos, sobretudo os finais, numa
conclusão perfeita que faz você ouvir a voz dO Cara te dizendo: mulher,
liberte-se! Assuma o seu desejo! Goze o gozo vivo! Não adormeça!
E ai não tem como não sair do
cinema amando mais, se é que possível amar mais ainda, esse gênio dinamarquês
que faz cinema conclamando à libertação e esfregando na nossa cara,
deslavadamente, a ruína da sociedade patriarcal que, sim, ainda nos oprime!
Meu analista que me perdoe, mas
hoje Lars Von Trier me adiantou
alguns anos de terapia.
A este respeito, aliás, na cena
final, antes de seu ápice libertador, Joe
diz a Seligman que ter lhe relatado
toda a sua história, trouxe a ela uma espécie de alívio e a possibilidade de
tomar uma decisão, numa clara indicação de que o que se deu ali, foi uma grande
sessão de psicanálise.
Ainda que, perceba-se bem, pela
decisão inicialmente tomada por Joe, o insight
gerado tenha sido castrador.
Ou não, pois a sequência
seguinte, e grande final do filme, demonstra claramente a libertação do desejo
desta mulher que porta o masculino nome de Joe.
...Tanta coisa mais pra dizer,
a virgindade de Seligman e sua
característica confessada de ser assexuado... A interessantíssima quase
repetição da cena de Anticristo, onde
o menino cai da janela (aqui não cai) ao som de Lascia ch’io pianga, de Händel... Charlotte
Gainsbourg, Shia LaBeouf,
Willem Dafoe...
Questionamentos sobre a coisa
da obrigatoriedade da utilização dos termos politicamente
corretos, o que, para Joe, que
insiste em chamar africanos de negros, a despeito da advertência de Seligman, abalaria os alicerces do
estado democrático. E isto, pra mim, é um recado claro de Lars Von Trier para a hipócrita Hollywood
que o boicotou em 2012 em função de algumas declarações suas, mal interpretadas,
a respeito de Hitler...
Enfim, a conversa de Lars com a gente é forte! Forte,
direta, reta e colocada; ele nos olha diretamente nos olhos e conversa conosco como somente um Homem muito forte é capaz de fazer!
Pra fechar, voltando à coisa do
masculino, outro dia meu analista me perguntava se não existe nenhum homem
neste mundo que eu não considere fraco, nem na literatura ou algo assim e eu,
após pensar um pouco respondi que sim, havia um único: um diretor dinamarquês chamado
Lars Von Trier, que tinha a coragem
de retratar a covardia masculina em todos os seus filmes.
Perdoem meninos, no abraço mais
carinhoso de quem nasceu hétero e não pode viver sem vocês e na mais cristalina
certeza de que somente os bravos e os fortes terão sabido ouvir tudo isto sem se acovardar! É que esse Lars Von Trier é mesmo hors-concours!
E, pra me redimir de qualquer ofensa, a magistral Lascia ch’io pianga na voz da magnífica soprano Cecília Bartoli:
E, pra me redimir de qualquer ofensa, a magistral Lascia ch’io pianga na voz da magnífica soprano Cecília Bartoli:
Lascia ch'io pianga
mia cruda sorte,
e che sospiri
la libertà.
Il duolo infranga
queste ritorte
de' miei martiri
sol per pietà!
mia cruda sorte,
e che sospiri
la libertà.
Il duolo infranga
queste ritorte
de' miei martiri
sol per pietà!
(Deixe que eu chore
Minha sorte cruel,
Que eu suspire
Pela liberdade.
A dor quebra
Estas cadeias
De meus martírios,
Só por piedade!)
Minha sorte cruel,
Que eu suspire
Pela liberdade.
A dor quebra
Estas cadeias
De meus martírios,
Só por piedade!)
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