domingo, 17 de março de 2013

LE TEMPS DU LOUP (2003)


Tempos de Lobos, do psicólogo, filósofo, teatrólogo,  pessimista e genial cineasta austríaco Michael Haneke, é um filme realizado em 2003, cuja temática me remeteu muito ao Ensaio sobre a Cegueira, do Saramago, ainda que Saramago nos apresente um final bem mais otimista.
Haneke realizou aqui uma obra apocalíptica, que começa com uma família francesa (pai, mãe e um casal de filhos), chegando em sua casa de campo e, ao adentrar a residência, ela está ocupada por um outro casal, com sua criança, cujo pai está armado e acaba por atirar no dono da casa.

A partir daí, o que se vai percebendo é que a os membros da sociedade não têm mais o verniz da civilidade e que todos estão retornando ao estado de natureza.

O que em Saramago nos é muito bem explicado como uma cegueira branca que finda por dar origem ao caos, aqui, em Haneke, é um processo que nos vai sendo descortinado em meio a tentativas de compreensão objetivas, que, aliás, não alcançamos nunca, porque simplesmente não há contexto histórico para o que ali se está a passar.

Você fica se perguntando em qual guerra europeia aquilo se estaria a passar, mas não há relação com outra coisa que não seja a essência bárbara e catastrófica que aflora nos humanos quando seus instintos buscam apenas sobreviver.

Mesmo porque, o cenário é contemporâneo, carros, roupas, pessoas de hoje.

Após a recepção dos protagonistas na casa de campo, Anna (a mãe) sai com seus dois filhos buscando sobreviver.

Aliás, Anna é vivida por Isabelle Huppert, que parece estar para Haneke, assim como Charlotte Gainsbourg está para Lars Von Trier.

Nessa caminhada por sobrevivência, vamos vivenciando a catástrofe da barbárie humana, pois não há terremotos, não há guerras, explosão atômica, nenhum flagelo natural, enfim, algo externo que faça com que as pessoas estejam fugindo e procurando proteção ao tempo em que agem como animais.

Pelo caminho, a essência humana. O bom e o mal, o medo e a coragem, a incerteza sobre a trajetória. O encontro com um grupo de pessoas que espera por salvação. O que se busca?

A proteção parece vir na forma de um trem, que ninguém sabe mesmo se existe, e que os levaria para um lugar seguro. Isto me lembrou muito “Esperando Godot” de Beckett.

Às margens do trilho de trem, pessoas se abrigam e tentam inutilmente instituir um estado de direitos. Não há humanismos, apenas rudimentares instintos de sobrevivência. Tempos dos lobos.

Há um poema, considerado o mais antigo poema alemão, Codex Regius, que tenta descrever Ragnarök e a morte dos deuses da mitologia nórdica, que prenuncia o fim do mundo. O Cântico dos Visitantes tem um título chamado O Tempo dos Lobos, de onde Haneke extraiu o título deste filme.

Em tempo: não tem música e do nada começam a subir os créditos finais, como tudo em Haneke.

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