domingo, 6 de janeiro de 2013

KON-TIKI (2012)


(Você começa o filme se perguntando "que diabos essa música andina com essa bendita flautinha peruana está fazendo perdida ai nesse filme norueguês?")

 Nem é preciso ser adivinho para saber que o norueguês Kon-Tiki será o vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2013. Aliás, a história da expedição Kon-Tiki já levou o de Melhor Documentário, em 2002.

Não que eu torça por ele; meu favorito continua sendo o francês Intouchables, apesar do densíssimo Amour, do Haneke. Mas é que Kon-Tiki, por ser uma coprodução inglesa (co-dirigido por Joachim Ronning e Espen Sandberg) , é perfeitinho e redondinho, do jeito que americano gosta. Quase uma obra de Disney, ainda que não devamos exagerar na crítica, pois o filme tem lá seus méritos.

Primeiro, tem seus méritos na direção de arte e nas belíssimas imagens (eu não chamaria de fotografia), uma vez que a maior parte do filme se passa em alto mar, entre céu e oceano, permeado por tubarões, baleias e outros animais marinhos.

Trata-se da história real da Expedição Kon-Tiki, do maluco aventureiro escandinavo, o arqueólogo Thor Heyerdahl, vivido por Pal Sverre Valheim Hagen, que após ter ouvido de um Tiki (membro de uma milenar tribo polinésia) que quem descobrira de fato a Polinésia foram os peruanos, numa jangada que seguia, a leste, o nascer do sol, para provar que isto fora possível, decide repetir o feito, juntando 5 bravos tripulantes.

A expedição Kon-Tiki se deu em 1947, quando todo o mundo científico acreditava que a Polinésia tinha sido descoberta pelos asiáticos e, portanto, Thor encontrou todo tipo de obstáculo à realização do feito, só tendo encontrado apoio junto ao rei peruano (rei peruano?).

Tirando os aspectos aventureiros da, já se sabe, bem sucedida expedição de Thor, resta algo de bom a ser abstraído em Kon-Tiki.

Thor deixa sua esposa e dois filhos a espera, desmarcando por telefone um compromisso que tinha de se encontrar imediatamente com eles, uma vez que já estava há tempos fora de casa, para empreender a incerta expedição, durante 100 dias.

A decepção da mulher com o companheiro, ainda que ambos tivessem se encontrado na condição de aventureiros, por saber que ela jamais poderia voltar a acompanha-lo e que ele jamais permaneceria em terra, é algo tocante e comovente. Esse desencontro, essa impossibilidade de estar junto entre pessoas que notoriamente se amam, mas não encontram ponto de convergência para que possam permanecer juntas...

Ela, como mulher, construíra um ninho e, ao final se vê, quando Thor alcança seu destino e abre a carta que lhe fora destinada pela esposa através de um dos membros da tripulação, para ser lida somente quando ele chegasse ao final da viagem, se vê que a mulher, mesmo o amando o deixa:


Querido, Thor. Conseguiste! Provaste o que o Tiki nos contou naquela noite, em Fatu Hiva. Contudo, ainda não aprendeste a nadar. Se caísses na água, irias tentar flutuar impulsionado apenas pela força de vontade. Como já deves ter entendido, não estou no Tahiti à tua espera. Porque o que era suposto ser a nossa vida, provou ser apenas a tua. Tu és como és, irás passar o resto da tua vida a perseguir o pôr do sol. Thor, isto nada tem nada a ver com a exploração do Pacífico. Mais importante que partires, é a razão porque partes. Porque não consegues parar de deixar tudo para trás, e embarcar no desconhecido? Mas tu és mesmo assim, meu querido, Thor. A ironia de tudo isto, é que foi o fato de eu te amar, que nos separou.


Kon-Tiki nos mostra um modo muito masculino de sonhar e alcançar as coisas. Chega a ser irritante a forma como exalta os 6 tripulantes da expedição, diminuindo-lhes as dificuldades para chegar ao sucesso, que certamente foram bem maiores que as demonstradas no filme.

Mas, em qualquer hipótese, expressa bem o modo masculino de correr em busca de um sonho, de forma livre, teimosamente insistente e de concretizar a qualquer preço suas convicções, não importando o quê de importante vá deixando pelo caminho, ao contrário do modo feminino de viver, enraizado, nidificado, envolvendo acolhimento e buscando solo firme.

O fracasso do relacionamento amoroso de Thor, faz pensar que homens são da água, mulheres são da terra...

Outro aspecto interessante, ao fundo, é que ao terem a certeza de estarem próximo da terra, Thor informa à tripulação que há um grande obstáculo final a ser transposto: o recife de Raroia.

Isso me remeteu imediatamente ao mito grego que retrata a batalha de Jáson e os Argonautas, que, exaustos, ao final da viagem em busca do carneiro de ouro de Zeus, têm que submeter a nau Argó, com suas velas esfarrapadas, a um último desafio, que é a travessia de dois rochedos ameaçadores que se encontram.

“Salvos, mas não na praia”, a tripulação do Kon-Tiki, no ponto máximo da exaustão, a exemplo da tripulação do Argó, é desafiada a enfrentar criativamente esse último desafio, que os separa de sua meta, e ai, vence a força do desejo, com a concretização da ideia perseguida por Thor.

Mas estamos falando de figura e fundo, e tais abstrações só são mesmo o fundo, que é possível ser extraído de Kon-Tiki (se Thor pode viajar, por que eu não?). 

A figura é somente um filme de aventura, belo, sem dúvida, pois fala da força de um desejo, perfeitinho e sem complicações, feito para americano ver e, certamente, levar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2013, mesmo que eu não queira.

O AMANTE DA RAINHA (2012)

Há homens que literalmente perdem a cabeça por causa do amor de uma mulher.

O fraquinho dinamarquês O Amante da Rainha, infelizmente, não consegue nos passar maiores reflexões do que esta.

É certo que a questão dos valores humanistas, presentes no censurado Iluminismo na Dinamarca, à época dos fatos (século XVIII), tenta emprestar alguma nobreza de valores ao filme, mas, ao final, você percebe mesmo é que assistiu a mais um filme de reis e rainhas, com alguma questionável informação histórica sobre a Dinamarca.

Nem a música, a fotografia e o figurino, recursos mais utilizados pelo diretor Nikolaj Arcel  conseguem arrebatar-nos.

É a história da inglesa Caroline Mathilde (Alicia Vikander), que muito jovem se torna rainha da Dinamarca ao ser desposada pelo rei totalmente bipolar, Christian XVII (Mikkel Boe Følsgaard) e seu romance com o provinciano médico alemão Johann Struensee (Mads Mikkelsen) (aliás, que beleza nórdica, a de Mikkelsen! Seus traços faciais valem o filme!).

Resumidamente, ao chegar da Inglaterra, a rainha se depara com uma Dinamarca nojenta, atrasada e preconceituosa. Quando o Dr. Struensee é chamado para cuidar da loucura do rei, a rainha, que já lhe dera um herdeiro (Frederik), acaba se identificando com o médico, que, como ela, é defensor de ideias iluministas.

Os dois se apaixonam e, como o médico passa a exercer forte influência sobre o rei, conseguem implantar ideais humanistas na Dinamarca, abolindo a censura, a tortura e implantando ações sociais que beneficiam o povo.

Porém, após a rainha engravidar do médico e dar a luz a Louise Augusta, parte mais conservadora do reino, aliada à própria mãe do rei, dão um golpe e fazem a Dinamarca voltar para a idade das trevas.

Caroline é deportada para a Alemanha e condenada ao exílio eterno, onde morre jovem, não sem antes deixar uma carta escrita para o casal de filhos, que nunca mais veria, contando toda a sua história, que é a narrativa do filme, muito fraquinha, por sinal.

O mais bonitinho é saber, ao final do filme, que a carta escrita pela mãe mudou o destino daquele país, ao ser lida pelos filhos em 1783.

Após ler a carta, Frederik e Louise Augusta, a quem a mãe se dirige na carta como “a melhor esperança da Dinamarca para um futuro melhor”, se dirigem ao quarto escuro onde na cama está sentada a avó, e abrem a janela, deixando entrar uma forte luz do dia, antevendo a adesão da Dinamarca ao Iluminismo, pela mão dos dois jovens.

O filme acaba e você tem a informação de que, com a ajuda de seu pai, Frederik organizou um golpe e tomou o poder aos 16 anos de idade (bom garoto!), banindo da corte o conselho de traidores e reinando durante 55 anos com a restauração das ideias outrora implantadas por Struensee, o amante da rainha e, indo mais longe, com a abolição da escravidão, que libertou os camponeses.

Em matéria de história real, eu prefiro Branca de Neve e os 7 Anões. Em matéria de fatos históricos, fica, sim, um gostinho na boca, uma vontade de que alguém faça um filme sobre a real história da Dinamarca, sobretudo sobre o longo reinado de Frederik e a implantação das ideias iluministas naquele país.

Não causa espanto que Mikkel Boe Følsgaard tenha ganhado o prêmio de melhor ator no último Festival de Berlim, interpretando o rei louco. O que espanta é que O Amante da Rainha tenha levado o prêmio de melhor da categoria, no mesmo festival e que tenha sido indicado ao Oscar 2013 de Melhor Filme Estrangeiro.


sábado, 5 de janeiro de 2013

A PROFESSORA DE PIANO (2001)


Trazendo filmes anteriores do festejado diretor austríaco Michael Haneke, A Professora de Piano foi o primeiro e perturbador filme do Haneke que assisti.

Isabelle Huppert interpreta magnificamernte a professora de piano Erika Kohut, ao mesmo tempo protagonista e antagonista neste filme.

O filme é repleto de signos psicanalíticos que dizem com a castração, a repressão de desejos e o modo como tudo o que é reprimido finda por vazar da alma, através do comportamento humano.

A figura da mãe, a erudita racionalidade imposta a Erika em sua vida entediante onde ensina piano no Conservatório de Viena, vão dando espaço a nossa observação do que é secreto no comportamento sexual voyeur e masoquista da professora de piano e na reprodução do comportamento castrador.

Como tudo em Haneke, imensa densidade e reflexões angustiantes a respeito da dualidade humana.

CACHÉ (2005)


E por falar em Michael Haneke, Cahé (oculto) é seu trabalho de 2005.

Denso, pensante, sem trilha sonora, diz com o poder da imagem na sociedade atual, questionando, também, a diferença de classes e o preconceito dos franceses com os muçulmanos e afins.

Daniel Auteuil vive Georges Laurent, um apresentador de um programa de televisão sobre literatura, com seu "bem estruturado" núcleo familiar composto pela esposa intelectual, vivida por Juliette Binoche e o filho adolescente Pierrot.

Tudo se desarmoniza quando a família começa a receber fitas com gravações de sua casa e vidas.

Egoísmos do passado de Georges Laurent vêm a tona, pois ele começa a desconfiar de Majid (Maurice Bénichou), um órfão argelino que seus pais adotaram e a quem ele, na infância, imputou comportamento desviante a fim de afastá-lo de sua família.

Georges vai tirar satisfações com Majid e acentua-se a diferença entre as classes; será o filho de Majid quem tem enviado as imagens?

No filme, "quem" é o que menos importa; todos estão sob suspeição, até o próprio 
Georges Laurent 
  Não importam os autores, mas a consequência dos atos. Preencha as lacunas, eu recomendo!
 

A FITA BRANCA (2009)


Último trabalho de Haneke antes do comentado AMOUR (2012).


Eu recomendo!

AMOUR (2012)


O Premiadíssimo AMOUR é um drama íntimo, orquestrado pela direção sempre original de Michel Haneke e estrelado por Jean-Louis Trintignan e Emmanuelle Riva, que interpretam o casal Georges e Anne (além de ter no elenco Isabelle Huppert, que faz a filha do casal).

A partir da história da degeneração corporal que assola a mulher, num casal de velhos que vivem sós em seu apartamento em Paris, Haneke vai nos aprisionando, como espectadores, na sufocante intimidade dos dois, arejada por uma impecável fotografia, que, na mesma toada “endo”, é uma fotografia de interiores, retratando os elementos da história do casal: livros, quadros, obras de arte, um piano e a própria decoração e disposição do apartamento, com portas que vão se trancando definitivamente no decorrer do filme.

É a personificação, a literalização do Tanatos, em Eros.

A música, a despeito de fazer parte ativa do roteiro, uma vez que a mulher fora professora de música (e o filme praticamente começa com a belíssima cena do concerto de um antigo aluno, ao qual o casal de velhos vai), não se insere como elemento constante, tendo pouca aparição real, mas muito pontual, de forma a exprimir a sensação de “picos” da vida, permanecendo apenas dentro de nossos ouvidos, pois o filme, como característico em Haneke, é de um silêncio eloquente.

Emociona, sem se utilizar de recursos musicais que possam manipular nossas emoções.

Aliás, a cena inicial do concerto é posta sob a perspectiva do “eu, concertista”, pois a tomada é a partir do palco para a imensa plateia, onde, no meio de todos, quase indistinguível, se encontra o casal de velhos que protagonizará a história.

É Haneke nos dizendo: “você executará esta peça, você dará o tom de sua emoção a essa história”. E essa é a única cena externa do casal, a única que se passa fora das quatro paredes do apartamento, onde, ao final do concerto, ambos se detêm no hall de entrada, tirando seus casacos, trocando seus sapatos, como a nos convidar para a tragédia intimamente humana que se avizinha.

Nós somos os únicos convidados pelo casal, que, abatido pela dor e pudores relativos ao sofrimento, não querem receber nem a filha, o genro, ou outros visitantes. Vemos a visita do antigo aluno da mulher (o concertista da cena inicial), porque ele chega de surpresa, a nos representar entre o choque e a tristeza que sente ao ver a antiga professora com o lado direito todo paralisado, mas é uma breve visita; ele sai, nós permanecemos ali, incomodamente ali.

Permanecemos, observando impotentes o amor do homem pela mulher, que na sequência sofre outro derrame e tem a maior parte de seu corpo paralisada. Permanecemos, em dúvida, sobre o que fazer com o pedido da mulher de que seu amado lhe abrevie o sofrimento, fato ao qual ele, inicialmente se nega, mesmo que não seja por valores morais ou religiosos, nos parecendo ser, simplesmente, por AMOR.

Antes que a mulher se veja definitivamente acamada, quando ainda pode se levantar da cadeira e dar alguns passos, temos cenas belíssimas, onde o homem, ao apoiá-la e abraça-la para que possa levantar-se, cria a sensação de uma dança, leve, ainda que um tanto trôpega, onde se tem a impressão do ocaso de uma delicada sensualidade entre o casal de octogenários, e a certeza do amor entre eles, que subsiste a qualquer ocaso.

Na maior parte do tempo, o homem cuida pessoalmente da mulher, abrindo mão da presença constante de enfermeiros e até se indispondo com uma, que não dispensara bons tratamentos a mulher.

Assistimos uma história de amor cristalizado, numa fase da vida em que não se tem mais preocupação com a liquidez e a dualidade do amor. Neste particular, não exala praticamente nenhuma dualidade entre o casal: os dois não são dois, são um! A questão da dualidade se concentra mais no pedido dela, em morrer, e na forma como ele lhe nega isso, inicialmente, chegando ao limite de agredi-la com um tapa no rosto, quando ela se nega a engolir a água que ele lhe dá, numa clara tentativa de morrer de sede.

A unidade de ambos faz com que o homem, por amor, ceda aos desejos de isolamento e asfixia da mulher, confinando-nos ao inferno íntimo no qual transcorre o filme, para que nos isolemos e nos asfixiemos um pouco, com eles, dentro daquele apartamento recheado de elementos simbólicos, a fim de que possamos repensar a possibilidade de buscarmos uma porta, encontrarmos uma saída, abrirmos uma janela, pela qual possa entrar uma lufada de ar que nos liberte de nossa aprisionante condição humana, apesar e a despeito do amor.

Ainda que Haneke seja tido como um diretor unidirecional, o que excluiria a possibilidade de ajustamento do espectador, destaco a cena do pombo, que adentra o apartamento onde estamos confinados com o casal.

A certa altura, após termos presenciado o homem subitamente atendendo ao pedido da mulher, colocando um travesseiro sobre seu rosto e libertando-a daquele estado de degeneração em vida, o pombo (que já vimos antes) torna a entrar no apartamento fechado (teria nunca saído dali?).

O homem, em meio a suas dificuldades motoras trazidas pela velhice, tenta capturar o pombo com um xale, certamente da mulher, jogando o xale sobre o pombo como se fosse uma rede para apanhá-lo.

Depois de algumas tentativas, ele finalmente consegue aprisionar o pombo e o vemos levantar-se, com dificuldade, e se sentar numa poltrona, exausto, com o pombo agasalhado entre o xale.

Pelo estado de angústia emocional em que se encontra o homem, tive a sensação de que ele esganaria aquele pombo incômodo entre as mãos (talvez porque nesse estágio do filme, eu estivesse sentindo muita raiva diante do fato de ter estado ali, confinada naquele apartamento presenciando o ocaso daquele casal). Mas, não, ele acaricia amorosamente o pombo, num gesto de transferência do amor pela mulher, morta.

E depois escreve numa carta sobre o pombo, que o libertara, nos libertando assim, também, daquele sufocante confinamento.

Uma crua história de amor. Uma real história de amor. Amor que, em qualquer hipótese, só é amor se liberta.

Michel Haneke é o diretor austríaco de Violência Gratuita, A Professora de Piano,  Caché e A Fita Branca, portanto, só assista se estiver preparado para algo profundamente denso e asfixiante. A bela Isabelle Huppert já declarou que "nos filmes de Haneke não são os atores que sofrem, são os espectadores”.

Com 5 indicações ao Oscar em 2013: melhor filme, melhor direção, melhor filme estrangeiro, melhor atriz (Emmanuelle Riva) e melhor roteiro original, Amour já levou a Palma de ouro em Cannes e os Prêmios do Cinema Europeu (melhor filme, melhor diretor, melhor atriz - Emanuelle Riva e melhor ator - Jean-Louis Trintignan), do Círculo de Críticos de cinema de Nova York (onde também levou os prêmios de melhor diretor e atriz - Emanuelle Riva) e da Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles. Ganhou também, o Globo de Ouro, como Melhor Filme estrangeiro.