UM MÉTODO PERIGOSO (2012) de David Cronenberg. “Às vezes temos que fazer algo imperdoável, só para poder continuar vivendo” é a última frase do filme, saída da boca de Carl Jung, vivido por Michael Fassbender, em um momento premonitório, cujo relato de um sonho apocalíptico, confessado à colega (e ex-amante) Sabina Spielrein, anuncia os terrores sofridos pela Europa nazista.
O roteiro é de Christopher Hampton a partir de sua peça “The Talking Cure” e do livro “A Most Dangerous Method” de John Kerr, e nos transporta para episódios havidos entre Freud e Jung entre 1906 e 1914, com foco nas divergências entre ambos e, sobretudo, na relação de Jung com a sua paciente russa, Sabina Spielrein.
Jung nega Freud (Viggo Mortensen) após ter curado a histérica Sabina (Keira Knigthley) com seu método, transgredindo-o em um envolvimento amoroso e lascivo com sua paciente, estudante de medicina que vem a se tornar uma conceituada psicanalista.
Antes do envolvimento amoroso entre Jung e Sabina, quando Jung apenas a tratava como paciente, Freud, sabedor do quanto Jung poderia estar desejando Sabina, lhe envia, por uns tempos, seu paciente Otto Gross, também psicanalista (ou, como preferia Freud: “psicoanalista”). Freud escreve a Jung sobre Otto Gross, que continuava valendo a definição do pai de Otto sobre ele, na infância: “Cuidado com Otto, ele morde”.
De fato, durante o curto período em que está aos cuidados de Jung, o caótico Dr. Otto desperta nele urgente senso se liberdade ("se tem uma coisa que aprendi em minha curta vida é isso: nunca reprima nada!"); Otto Gross abominava a monogamia e se envolvia sexualmente com suas pacientes na fase da transferência, chegando até a confessar que ajudou uma delas a se suicidar, não sem antes ter tido relações sexuais com ela.
Uma das melhores coisas do filme é a passagem de Otto Gross pelo “divã” de Jung!
Mais tarde Freud escreve a Jung que talvez não devesse ter lhe enviado Gross, mas, a sensação que fica é de que para Freud tudo foi um grande experimento. Fica também uma suspeita de que Freud tinha inveja de Jung, o bem casado Jung, o protestante Jung, o ariano Jung...
Há textos e cenas que dão tal indício, como a cena em que, mais tarde, após terminada a terapia e a relação entre Jung e Sabina Spielrein, em colóquio profissional entre Freud e Sabina a respeito da monografia dela, quando Sabina faz qualquer referência ao trabalho de Jung, Freud lhe adverte para tomar cuidado com os arianos (Freud e Sabina eram judeus, Jung não.)...
Bem antes disso, quando Jung visitara Freud em Viena, antes de romperem, há uma cena em que Freud diz a Jung: “Todos nós, em nosso círculo psicanalítico aqui em Viena, somos Judeus” e, após Jung ter respondido: “Eu não vejo que diferença isso faz”, Freud arremata: “Se me permite, essa é uma observação especialmente protestante”.
Doutra feita, quando Jung diz a Freud que “felizmente a minha esposa é extremamente rica”, Freud se sente visivelmente incomodado, assim como quando, mais tarde, em viagem que fizeram juntos, Freud aparenta algum desconforto quando Jung pega o caminho da primeira classe no navio, porque a esposa, que fizera as reservas, escolhera um camarote para a viagem, ao tempo em que Freud pega o caminho da segunda classe.
O filme de Cronenberg tem sido criticado como burocrático e superficial, mas, talvez a crítica não tenha se dado conta desses aspectos, eu diria interessantíssimos, a respeito da relação e rompimento entre Freud e Jung, a quem aquele chegou a querer fazer sucessor, mas depois passou a criticar o “misticismo”.
Quem se atreve a analisar a inveja de Freud por Jung? Certamente que eu não! Otto Gross disse: "Acho que a obsessão de Freud com o sexo tem a ver com o fato de que ele nunca faz sexo."
Assista o filme e analise você mesmo. Eu recomendo!
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