Tempos de Lobos, do psicólogo, filósofo,
teatrólogo, pessimista e genial cineasta austríaco Michael Haneke, é um filme
realizado em 2003, cuja temática me remeteu muito ao Ensaio sobre a Cegueira,
do Saramago, ainda que Saramago nos apresente um final bem mais otimista.
Haneke realizou aqui uma obra apocalíptica,
que começa com uma família francesa (pai, mãe e um casal de filhos), chegando
em sua casa de campo e, ao adentrar a residência, ela está ocupada por um outro
casal, com sua criança, cujo pai está armado e acaba por atirar no dono da casa.
A partir daí, o que se vai percebendo é que
a os membros da sociedade não têm mais o verniz da civilidade e que todos estão
retornando ao estado de natureza.
O que em Saramago nos é muito bem
explicado como uma cegueira branca que finda por
dar origem ao caos, aqui, em Haneke, é um processo que nos vai sendo
descortinado em meio a tentativas de compreensão objetivas, que, aliás, não
alcançamos nunca, porque simplesmente não há contexto histórico para o que ali
se está a passar.
Você fica se perguntando em qual guerra
europeia aquilo se estaria a passar, mas não há relação com outra coisa que não
seja a essência bárbara e catastrófica que aflora nos humanos quando seus
instintos buscam apenas sobreviver.
Mesmo porque, o cenário é contemporâneo, carros,
roupas, pessoas de hoje.
Após a recepção dos protagonistas na casa de
campo, Anna (a mãe) sai com seus dois filhos buscando sobreviver.
Aliás, Anna é vivida por Isabelle Huppert,
que parece estar para Haneke, assim como Charlotte
Gainsbourg está para Lars Von Trier.
Nessa caminhada por sobrevivência, vamos
vivenciando a catástrofe da barbárie humana, pois não há terremotos, não há
guerras, explosão atômica, nenhum flagelo natural, enfim, algo externo que faça
com que as pessoas estejam fugindo e procurando proteção ao tempo em que agem
como animais.
Pelo caminho, a essência humana. O bom e o
mal, o medo e a coragem, a incerteza sobre a trajetória. O encontro com um
grupo de pessoas que espera por salvação. O que se busca?
A proteção parece vir na forma de um trem, que
ninguém sabe mesmo se existe, e que os levaria para um lugar seguro. Isto me
lembrou muito “Esperando Godot” de Beckett.
Às margens do trilho de trem, pessoas se
abrigam e tentam inutilmente instituir um estado de direitos. Não há
humanismos, apenas rudimentares instintos de sobrevivência. Tempos dos lobos.
Há um poema, considerado o mais antigo poema
alemão, Codex Regius, que tenta
descrever Ragnarök e a morte dos deuses da mitologia nórdica, que prenuncia o
fim do mundo. O Cântico dos Visitantes tem um título
chamado O Tempo dos Lobos, de onde Haneke
extraiu o título deste filme.
Em tempo: não tem música e do nada começam a
subir os créditos finais, como tudo em Haneke.
Nenhum comentário:
Postar um comentário