O
Premiadíssimo AMOUR é um drama
íntimo, orquestrado pela direção sempre original de Michel Haneke e estrelado por Jean-Louis
Trintignan e Emmanuelle Riva,
que interpretam o casal Georges e Anne (além de ter no elenco Isabelle Huppert, que faz a filha do
casal).
A
partir da história da degeneração corporal que assola a mulher, num casal de
velhos que vivem sós em seu apartamento em Paris, Haneke vai nos aprisionando, como espectadores, na sufocante
intimidade dos dois, arejada por uma impecável fotografia, que, na mesma toada “endo”,
é uma fotografia de interiores, retratando os elementos da história do casal:
livros, quadros, obras de arte, um piano e a própria decoração e disposição do
apartamento, com portas que vão se trancando definitivamente no decorrer do
filme.
É
a personificação, a literalização do Tanatos,
em Eros.
A
música, a despeito de fazer parte ativa do roteiro, uma vez que a mulher fora
professora de música (e o filme praticamente começa com a belíssima cena do
concerto de um antigo aluno, ao qual o casal de velhos vai), não se insere como
elemento constante, tendo pouca aparição real, mas muito pontual, de forma a
exprimir a sensação de “picos” da vida, permanecendo apenas dentro de nossos
ouvidos, pois o filme, como característico em Haneke, é de um silêncio eloquente.
Emociona,
sem se utilizar de recursos musicais que possam manipular nossas emoções.
Aliás,
a cena inicial do concerto é posta sob a perspectiva do “eu, concertista”, pois
a tomada é a partir do palco para a imensa plateia, onde, no meio de todos,
quase indistinguível, se encontra o casal de velhos que protagonizará a
história.
É
Haneke nos dizendo: “você executará esta
peça, você dará o tom de sua emoção a essa história”. E essa é a única cena
externa do casal, a única que se passa fora das quatro paredes do apartamento, onde,
ao final do concerto, ambos se detêm no hall de entrada, tirando seus casacos,
trocando seus sapatos, como a nos convidar para a tragédia intimamente humana
que se avizinha.
Nós
somos os únicos convidados pelo casal, que, abatido pela dor e pudores
relativos ao sofrimento, não querem receber nem a filha, o genro, ou outros
visitantes. Vemos a visita do antigo aluno da mulher (o concertista da cena
inicial), porque ele chega de surpresa, a nos representar entre o choque e a tristeza
que sente ao ver a antiga professora com o lado direito todo paralisado, mas é
uma breve visita; ele sai, nós permanecemos ali, incomodamente ali.
Permanecemos,
observando impotentes o amor do homem pela mulher, que na sequência sofre outro
derrame e tem a maior parte de seu corpo paralisada. Permanecemos, em dúvida,
sobre o que fazer com o pedido da mulher de que seu amado lhe abrevie o
sofrimento, fato ao qual ele, inicialmente se nega, mesmo que não seja por
valores morais ou religiosos, nos parecendo ser, simplesmente, por AMOR.
Antes
que a mulher se veja definitivamente acamada, quando ainda pode se levantar da
cadeira e dar alguns passos, temos cenas belíssimas, onde o homem, ao apoiá-la
e abraça-la para que possa levantar-se, cria a sensação de uma dança, leve,
ainda que um tanto trôpega, onde se tem a impressão do ocaso de uma delicada
sensualidade entre o casal de octogenários, e a certeza do amor entre eles, que
subsiste a qualquer ocaso.
Na
maior parte do tempo, o homem cuida pessoalmente da mulher, abrindo mão da
presença constante de enfermeiros e até se indispondo com uma, que não
dispensara bons tratamentos a mulher.
Assistimos
uma história de amor cristalizado, numa fase da vida em que não se tem mais
preocupação com a liquidez e a dualidade do amor. Neste particular, não exala praticamente
nenhuma dualidade entre o casal: os dois não são dois, são um! A questão da
dualidade se concentra mais no pedido dela, em morrer, e na forma como ele lhe
nega isso, inicialmente, chegando ao limite de agredi-la com um tapa no rosto,
quando ela se nega a engolir a água que ele lhe dá, numa clara tentativa de morrer
de sede.
A
unidade de ambos faz com que o homem, por amor, ceda aos desejos de isolamento
e asfixia da mulher, confinando-nos ao inferno íntimo no qual transcorre o
filme, para que nos isolemos e nos asfixiemos um pouco, com eles, dentro
daquele apartamento recheado de elementos simbólicos, a fim de que possamos
repensar a possibilidade de buscarmos uma porta, encontrarmos uma saída, abrirmos
uma janela, pela qual possa entrar uma lufada de ar que nos liberte de nossa
aprisionante condição humana, apesar e a despeito do amor.
Ainda
que Haneke seja tido como um diretor
unidirecional, o que excluiria a possibilidade de ajustamento do espectador,
destaco a cena do pombo, que adentra o apartamento onde estamos confinados com
o casal.
A
certa altura, após termos presenciado o homem subitamente atendendo ao pedido
da mulher, colocando um travesseiro sobre seu rosto e libertando-a daquele
estado de degeneração em vida, o pombo (que já vimos antes) torna a entrar no
apartamento fechado (teria nunca saído dali?).
O
homem, em meio a suas dificuldades motoras trazidas pela velhice, tenta
capturar o pombo com um xale, certamente da mulher, jogando o xale sobre o
pombo como se fosse uma rede para apanhá-lo.
Depois
de algumas tentativas, ele finalmente consegue aprisionar o pombo e o vemos
levantar-se, com dificuldade, e se sentar numa poltrona, exausto, com o pombo
agasalhado entre o xale.
Pelo
estado de angústia emocional em que se encontra o homem, tive a sensação de que
ele esganaria aquele pombo incômodo entre as mãos (talvez porque nesse estágio
do filme, eu estivesse sentindo muita raiva diante do fato de ter estado ali,
confinada naquele apartamento presenciando o ocaso daquele casal). Mas, não,
ele acaricia amorosamente o pombo, num gesto de transferência do amor pela
mulher, morta.
E
depois escreve numa carta sobre o pombo, que o libertara, nos libertando assim,
também, daquele sufocante confinamento.
Uma
crua história de amor. Uma real história de amor. Amor que, em qualquer
hipótese, só é amor se liberta.
Michel Haneke é o diretor austríaco de Violência Gratuita, A Professora de Piano, Caché e A Fita Branca, portanto, só assista se
estiver preparado para algo profundamente denso e asfixiante. A bela Isabelle
Huppert já declarou que "nos filmes
de Haneke não são os atores que sofrem, são os espectadores”.
Com 5 indicações ao Oscar em 2013: melhor filme, melhor direção, melhor filme estrangeiro, melhor atriz (Emmanuelle Riva) e melhor roteiro original, Amour já
levou a Palma de ouro em Cannes e os Prêmios
do Cinema Europeu (melhor filme, melhor diretor, melhor atriz - Emanuelle Riva e melhor ator - Jean-Louis Trintignan), do Círculo de Críticos de cinema de Nova
York (onde também levou os prêmios de melhor diretor e atriz - Emanuelle
Riva) e da Associação de Críticos de Cinema
de Los Angeles. Ganhou também, o Globo de Ouro, como Melhor Filme estrangeiro.
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