A gente sai do cinema depois de
uma almejada sessão do gênio Lars Von Trier,
não, espera... A gente não quer sair nunca mais do cinema depois que,
subitamente, sobem os créditos avisando que está encerrado o Volume I de Nymphomaniac, mesmo com cortes visíveis
e tendo que aguardar a continuidade do filme que, noticia-se, será em maio no
Brasil.
Difícil expressar em palavras
as impressões causadas pela direção meticulosa, que se faz presente em cada
detalhe, na performance dos atores, na luz, no som, nas cores, nos gestos,
ahhhhhhhh... Êxtase!
Dividido em capítulos, como já
faz Lars há tempos em seus filmes, Nymphomaniac tem dois volumes com oito
capítulos: The Compleat Angler, Jerome, Mrs. H, Delirium, The
Little Organ School, The Eastern and Western Church (The
Silent Duck) e The Gun.
Joe, (Charlotte Gainsbourg) é encontrada toda machucada e
semi-inconsciente, deitada na rua, pelo velho Seligman (Stellan
Skarsgard) que quer chamar
uma ambulância, mas, diante da resistência de Joe, a leva para sua
própria casa e lhe dispensa tratamento acolhedor.
Durante todo o Volume I, Joe está deitada, recuperando-se numa
cama de solteiro, num cômodo da casa de Seligman,
a ela dispensado, mas ali é, claramente, a representação de um divã, onde o
velho ouve atentamente sua história desde a infância, repleta de culpas, onde
ela se confessa uma ninfomaníaca desde criança.
Seligman
interfere exatamente nos limites de um analista, sem perplexidade diante das
histórias picantes relatadas por Joe,
inclusive sua relação de desejo consumado por seu pai, interpretado lindamente
por Christian Slater, que é o
homem fraco da vez no Volume I de Nymphomaniac (em todos os filmes de
Lars, há um personagem masculino fraco).
Diante
dessa relação incestuosa, a mãe de Joe é descrita como uma mulher que “vira
as costas e joga paciência”.
Enquanto
Joe, na pele de Charlote Gainsbourg, conta as histórias para o
velho Seligman, as cenas são revividas na interpretação da modelo Stacy Martin, a Joe adolescente.
Uma sucessão de personagens
masculinos, ao melhor estilo Lars Von
Trier, desfila diante de nossos olhos, a começar pelo moço que a deflora a
seu pedido, passando pelos inúmeros amantes que a ninfeta viciada em sexo
recebe em casa, com destaque para um que, acreditando no logro da jovem decide
deixar mulher e filhos e se mudar para a casa de Joe, o que é tudo que ela menos quer, mas tinha usado isto como
pretexto para descarta-lo.
Neste particular, impagável a
cena em que o homem chega no apartamento de Joe com a mala, e, logo atrás dele estão os dois filhos e a esposa,
vivida por Uma Thurman, que
vieram juntos para entrega-lo ao “novo lar”.
Discurso
impecável da esposa ferida, tentando fazer parecer natural sua “perda” e
praticando atos de alienação parental diante dos filhos, histérica, a cena de
humor negro na qual Uma Thurman está perfeita, rende uma amargurada
vontade de rir, diante de toda aquela angústia que o filme vai nos despertando.
As
questões da insaciável Joe vão sendo colocadas sob signos comparativos pelo
velho Seligman, o que desperta ainda mais a sensação de uma sessão
de terapia. Suas histórias sexuais são comparadas à pesca da truta, ao Número
de Ouro de Fibonacci e à polifonia de Bach.
Dentro
da narrativa de Joe, algo nos afasta das analogias matemáticas propostas por Seligman: é o tal “ingrediente secreto” do sexo, que aponta
para o amor, na figura recorrente de
Jerôme (Shia Labouef), o personagem colocado por Joe nas mais distintas situações fantasiosas (fantasiosas?), o “cara
da mobilete” que a desvirgina friamente e que mais tarde aparece com outras roupagens,
deixando o velho, e a nós todos, incrédulos sobre a veracidade de sua
existência na história contada.
O que
nos atinge como uma bofetada em Nymphomaniac ao seu final é a
impossibilidade de amar, apesar do desejo.
“Eu não sinto nada”, confessa Joe
ao velho, após narrar a morte do pai, na qual a personagem chora por sua
sexualidade através de uma cena que somente Lars Von Trier poderia
idealizar, onde Joe se descreve “molhada”
ao ver o pai morto na cama de hospital, que nos é mostrado por entre suas
pernas abertas e de uma delas escorre lentamente uma lágrima.
Nem
um riso jocoso no cinema durante todo o filme. Quem não suporta sai da sala em
silêncio.
Sobem
os créditos e você quer ficar ali até a última letra, mesmo diante do
expediente “cenas dos próximos capítulos” que macula levemente o filme após o
final do primeiro volume.
Sem Wagner, desta vez a trilha é hardcore, com destaque para a música "Fuhre
Mich" do grupo heavy metal alemão Rammstein, que te sacode como um despertador para o filme:
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